28 outubro 2013

Vazio

Lá no fundo, no fundo, há qualquer coisa que me incomoda... Que me faz pensar no que não quero, que me atormenta... Cada vez mais nos últimos tempos tenho pensado em que a vida seria muito mais simples se vivesse numa outra época ou contexto... Matar ou ser morto, cumprir ordens simples, cuidar dos cavalos, cavar buracos nas minas, apanhar fruta, pescar, caçar, ser monge copista, qualquer coisa diferente.
Quero-me perder algures na neblina, na névoa, sem pensar - só seguir em frente, nada mais à volta interessa.
Ouvir apenas a minha respiração, o silêncio dos meus passos, a bruma a passar. Sentir a erva molhada nos pés, ramos a bater na cara, cair ao rio, submergir-me na água fria e escura, sair para a margem rochosa, não tenho frio, tenho sede, sede de andar mais, então ando, ando e continuo até achar nada, um vazio tremendo de coisas, não é escuro nem claro, é apenas vazio. Vazio. E enchê-lo. Enchê-lo de tudo o que há em mim - vida e morte e cor e dor e alegria e choro e amor e simplicidade e esperança e ódio e sangue e honra e criatividade e magia e letras e sons e cheiros e flores e mantas e pássaros e almofadas e risos e terra húmida e árvores molhadas e neve e sol e de mim. Encher o vazio de mim comigo, com o meu eu.
Não consigo sê-lo, só pensá-lo e mesmo assim fujo de mim. Fujo para não me enfrentar, para parecer que está tudo bem. Não sei fingi-lo, só sei fugir. Da indiferença, da dor, da cobardia das palavras escritas e não ditas, da verdade?
Não me encontro, mas também fujo de me procurar, de viver como a vida quer - e o que quer a Vida? Não há vida, há apenas Vazio. Vazio à espera de ser cheio de mar e de floresta e de areia e de montanhas e de lareiras e de chuva e de lobos e de bolos quentes e de rochas e de musgo e de nuvens e de roupas quentes e de castanhas assadas e de silêncios e de livros e de sombras e de luz e de pinheiros e de tigres e de escorpiões e de aranhas e de teias tecidas nas quais nos embrenhamos. E assim viver, para sempre em todos os que viveram comigo, e partilhar com todos eles o que sou, o que não sou, o que sonhei ser, o que serei, o que fui, o que voltarei a ser, o que nunca voltarei a ser.
Não quero a realidade, quero o frio da chuva num dia de sol, o cheiro da relva cortada e a brisa, as ondas do mar nos meus pés, nadar nas águas quentes de umas termas, cascatas imponentes em florestas luxuriantes, embrulhar-me em cobertores quentes e ouvir a neve, sentar-me na janela e ver a trovoada, beber uma cerveja gelada num dia de calor, ser eu, sem problemas, sem contradições, sem medos.
E este Vazio, este vazio para encher de abraços e de sonhos e de beijos e de penas e de tapetes fofinhos e de solos de guitarra e de pesadelos e de cabelos esvoaçantes e de ventos e de tempestades e de campos de trigo e de rios fortes e de glaciares e de chá quente e do nascer do sol e das ondas no mar e das flores campestres e de mãos dadas e de dragões e de por do sol e de lua cheia e de runas e de barcos e de fogo e de lua nova e de fogueiras e de canções e de preguiça e de ternura e de gelo e de mim...

1 comentário:

Blood Tears disse...

Tão tu, tão eu, tão envolvente, escrito com o coração, com o passado, o presente, e o vazio à espera de ser preenchido com todo o universo em ti....

(((HUG)))