04 novembro 2013

"O que há em mim é sobretudo cansaço..."

Trago um grande cansaço dentro de mim... Daqueles que ninguém compreende porque carrego, daqueles que só eu sei porque carrego... É inacreditável aquilo que vou sentindo ao longo dos dias, todos os dias, das horas intermináveis às horas incansáveis.
Tenho também dor e mágoa dentro de mim. Dos erros passados, das saudades presentes, dos que já não voltam, dos que podem voltar mas nós não queremos, dos que nós queremos mas não podem voltar. 
Não sei que mais tenho, uma grande força de viver e também uma grande sede de o fazer é certo. O que me falta é fazer as coisas acontecer. Anseio pela libertação, não de quê... Talvez estas paredes brancas me respondam, talvez os sonhos me indiquem, talvez a cabeça fresca pela manhã traga um novo olhar sobre a prisão que se abate diariamente sobre mim....
Resta-me ficar à mercê daquilo que não atinjo. Do que anseio mas ao mesmo tempo temo. Do sono que não chega, ou que chega cedo demais... 
O meu amigo David Mourão-Ferreira dizia: "Que dúvida, que dívida, que dádiva... Que duvidávida afinal a vida..." E assim me sinto... Com dúvidas, com dívidas e com dádivas... Afinal... A vida é mesmo isto...

"O que há em mim é sobretudo cansaço — Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
"

Álvaro de Campos, in "Poemas"

1 comentário:

Blood Tears disse...

(((HUG)))

Após a leitura sentida, tenho para ti apenas uma palavra hifenizada:

LIBERTA-TE!!!!


Blood Kisses